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Quinta-feira, 28 de março de 2024

Cotidiano

31/12/2015 15:27:28

OPINIÃO: “No centro de Vilhena, uma lição viva para você começar 2016 sem reclamar”

Vendedor de castanhas com paralisia cerebral é formado em Administração

*DIMAS FERREIRA

Peço licença aos leitores para escrever esta reportagem (que, a rigor, sequer deveria ser chamada assim, embora contenha relevantes informações) na primeira pessoa. Em mais de duas décadas no Jornalismo, raras vezes ousei desafiar a norma segunda a qual o profissional deve se limitar a narrar o fato e deixar as conclusões ao juízo de quem busca a informação. Creio, no entanto, que nesta situação específica, vale a pena burlar a recomendação.
Indo para o almoço nesta quinta-feira, 31, passo em frente à agência do Banco do Brasil em Vilhena e observo o homem na cadeira de rodas, sob o guarda-sol, oferecendo saquinhos de castanhas. Paro, puxo prosa e o personagem, com visível dificuldade para falar e mexer os braços, é gentil: providencia sombra para nós dois e me convida a sentar na mureta. Apresenta-se como Emerson Charles da Silva e conta que tem 40 anos.
A primeira revelação: “Nasci na cidade de Rosana, no interior de São Paulo. Sofro de paralisia cerebral congênita. Vim ao mundo assim mesmo...”. A “entrevista” é interrompida por um senhor que chega e, após entrar no banco, volta para comprar a última embalagem de castanha. Paga pelo produto e, sorridente, agradece o vendedor: “Deus lhe pague...” A parte de Deus na transação pode (ou não!) ser quitada depois. Já o cliente arremata o negócio à vista e em dinheiro vivo.
Vêm novas informações: “Eu passei no vestibular e me formei em Administração de Empresas lá em Rosana. Em 2003, vim para Rondônia, e trabalhei na prefeitura de Pimenteiras. Moro em Vilhena há cinco anos. Sou casado e tenho dois enteados”.
Quando pergunto onde mora, Emerson conta que é um dos contemplados do Conjunto Residencial União, condomínio de casas populares recém-entregue pela prefeitura a famílias de baixa renda. Uma funcionária do BB interrompe de novo o papo e recomenda: “Capricha nessa reportagem aí... O Emerson é guerreiro”. Resumindo: a virtude do entrevistado é garantida, mas a do entrevistador... veremos!
Testo o tino comercial do empreendedor com necessidades especiais questionando a origem do produto que ele oferece: “Bom, eu fico procurando onde tem castanha boa e com preço justo. Essa que tô vendendo hoje veio do Acre. Conheço alguns caminhoneiros que trazem pra mim de lá”.
Aliás, o próprio comerciante faz questão de explicar que comanda uma empresa familiar: a esposa cuida da embalagem e o enteado mais velho, de 16 anos (o caçula tem 14) empurra a cadeira de rodas até o local de venda. “Eu também já vendi laranja, pano de prato e suco. Minha mulher preparava as mercadorias, mas eu atendia os clientes”.
Depois de algum tempo na base do “Cerca-Lourenço”, chego finalmente ao ponto espinhoso do bate-papo: “Você sofre preconceito?” Homem acostumado a não se queixar da própria sorte, Emerson muda o rumo da conversa e revela o que o incomoda: “A pessoa pode chegar aqui e dizer que não quer a castanha... Ou até falar que vai resolver se compra ou não. Mas têm uns que acham que eu tô pedindo esmola e tiram moedas pra me dar...”
Vejo que o assunto incomoda e o aviso: “Olha, vou publicar sua história no site da FOLHA DO SUL”. Preparando-se para retornar ao lar, após mais um dia de labuta dura, mas honesta, Emerson se despede com um simpático “gostei de te conhecer”. Eu também, guerreiro!

*DIMAS FERREIRA, 49, é jornalista e advogado





Fonte: Folha do Sul
Autor: Dimas Ferreira

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