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Quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Educação

31/08/2023 10:15:00

Com mais de 30 anos em sala de aula, professora comenta greve em Vilhena e dispara críticas contra prefeito e secretário de Educação

 
“Eu dei duas aulas aos meus alunos antes do início da greve. Foram aulas sobre a lei do piso, e pedi que eles explicassem em casa aos pais”
 
Após a justiça publicar liminar determinando que 80% dos professores em greve retornassem às salas de aula, o sindicato decidiu pelo fim da greve dos professores, que durou mais de 10 dias, em Vilhena. O retorno ao trabalho aconteceu sem que os educadores conseguissem a principal reivindicação, que era o reajuste concedido pelo Governo Federal de 14,95%.
 
O FOLHA DO SUL ON LINE ouviu uma professora com mais de três décadas de carreira, que falou sobre o fim da greve, explicou sobre o piso do magistério, teceu críticas ao posicionamento do prefeito, Delegado Flori (Podemos) e apontou o que ela entende ser incoerências do secretário municipal de Educação em relação ao reajuste que, segundo ela, ele recebeu.
 
A conversa com a professora de Língua Portuguesa, Luciene da Silva Pozzebon, lotada no Colégio Cívico Militar Almirante Tamandaré, a antiga Escola Cristo Rei, em um dos bairros mais populosos de Vilhena, aconteceu na redação do site uma semana atrás, um dia após o fim da greve.
 
“Minha intenção ao me dispor a falar sobre o tema não é o de falar mal do prefeito ou de quem quer que seja, o que eu gostaria é de esclarecer à sociedade o que é a lei do piso salarial do magistério, que é respaldado pela Lei Federal n° 11.738, de 16 de julho de 2008. Portanto, não é uma lei apenas para Vilhena. É uma lei com abrangência nacional”, pontuou Pozzebon.
 
A educadora, como é do ofício, foi didática ao explicar o funcionamento do piso. “Veja bem, o piso é o menor salário que deve ser pago pra um professor dentro do nosso País. Eu dei duas aulas aos meus alunos antes do início da greve. Foram aulas sobre a lei do piso, e pedi que eles explicassem em casa aos pais. Fiz uma comparação com o salário mínimo e expliquei a eles que o salário mínimo é pago, geralmente, a pessoas leigas, e que quanto mais qualificações se tem, mais se ganha. Assim é com o professor, que até o ano passado recebia como salário base R$ 3.895,00, e este ano passou a ser de R$ 4.420,55. Esse é o salário mínimo do professor para quem ingressa na carreira hoje. Aí eu pergunto: é justo que, citando como exemplo a minha história, com mais de 30 anos de sala de aula, 44 cursos concluídos ao longo da carreira, receba o mesmo valor que de uma pessoa que inicia hoje a carreira no magistério?”, questionou antes de ponderar: “É essa questão, são esses pontos que o prefeito finge não entender e que distorce completamente quando leva ao conhecimento do público”.
 
Com mais de três décadas de carreira, a professora cita que tem alguns alunos advogados, outros são médicos, uns atuando na promotoria, e que ela não se sente menor do que eles. “Eu não sou professora por falta de opção, eu sou professora por escolha. Eu escolhi ser professora, e é por isso que eu exijo ser respeitada”, declarou.
 
A professora, que fez questão de deixar claro que estava expressando o pensamento da categoria, continuou falando sobre o piso. Conforme a educadora, o piso é reajustado anualmente, sempre em janeiro. Este ano, no entanto, Vilhena tinha um prefeito novo assumindo em janeiro por causa da cassação do anterior, e ele pediu um prazo para se adequar.
 
“Em fevereiro questionamos o sindicato sobre a posição do prefeito quanto ao piso. A resposta foi a de que o prefeito havia pedido um tempo e que o entendimento do sindicato era por aguardar o primeiro quadrimestre, até abril. Então trabalhamos normalmente ao longo dos meses, e em maio, depois do prazo solicitado inicialmente, voltamos a questionar o sindicato sobre o tema. O prefeito disse que os quatro meses foram pouco e que precisava de um segundo quadrimestre”, relatou a educadora.
 
O novo prazo, segundo Pozzebon, venceria no dia 30 de agosto. Antes, em junho, os professores fizeram um dia de paralisação. “O objetivo era de dizer ao prefeito que estávamos dando os prazos que ele pediu, mas que queríamos uma resposta. Mas, ele não entendeu. Ele, que havia pedido um prazo até o final de agosto, o que fez? Quando saiu o pagamento do dia 28 de julho, alguns servidores receberam uma complementação”, relembra a professora, que revelou que os servidores entenderam essa ação como um golpe. “Porque ele não consultou a categoria, ele não consultou o sindicato, ele não consultou os vereadores, e ele não pagou o piso. Ele está espalhando que cumpriu o piso. É mentira!”, declarou.
 
A educadora pontua que pagar o piso é mudar o salário base, no caso do iniciante, alterar de dos R$ 3.895,00 para os R$ 4.820,55. “Ele não fez isso. Ele não mudou o salário base de ninguém. Os contracheques estão lá no Portal da Transparência para qualquer um entrar e olhar. Então, o salário base de início de carreira em Vilhena continua R$ 3.895,00. O que ele fez foi dar uma complementação, que é uma gratificação, que ele pode conceder por meio de decreto, sem consultar os vereadores que não estavam sabendo de nada. Sindicato foi pego de surpresa, e professores se sentindo trouxas e enganados; porque nós confiamos na palavra dele de aguardar até o dia 30 de agosto que ele nos daria uma posição, e ele nos deu um golpe”, aponta. 
 
A professora assegura que a categoria não queria a greve em momento algum. “Tanto não queríamos que fomos empurrando com a barriga conforme ele foi empurrando a gente. Ficamos meses aguardando uma resposta, uma posição, uma proposta digna, decente. E não foi o que ele fez”, lamenta a professora. 
 
A professora disse não entender a atitude do prefeito em, na análise dela, descumprir as leis. “Ele não é um leigo. Ele conhece a lei federal. Ele conhece do início ao final o nosso Plano a Carreira. O TCE emitiu uma nota técnica, e em um dos vários pontos abordados, o diz que o prefeito poderá pagar a complementação, caso o município não tenha um plano de carreira aprovado para ser cumprido. É isso que diz a nota técnica do TCE”.
 
Então, veja bem, ele está se colocando acima de toda e qualquer lei. Quando ele fez o que fez em julho, se colocou acima de tudo. Acima da Lei Federal, acima do nosso Plano de Carreira, e passou por cima da nota técnica do TCE”, enumerou.
 
A complementação dada apenas as três primeiras referências do magistério no município, foi apontado por alguns como uma forma de dividir a categoria. Pozzebon, embora não acredite nessa possibilidade, assegurou que se isso passou em algum momento pela cabeça do prefeito, se ele pensou em dividir a educação, acabou foi unindo mais. “No primeiro momento da greve nós paramos quase 500 professores. Inclusive quase 100% dos que receberam a gratificação, porque se sentiram ofendidos tanto quanto os demais professores. Eles também foram desrespeitados. Pra eles também não está sendo pago da forma correta, estão recebendo uma gratificação que não é salário”, afirmou.
 
Em outro trecho da entrevista, a professora abordou o Plano de Carreira, Cargo e Remuneração do funcionalismo público municipal aprovado no ano passado pelos vereadores, depois de anos de discussão e intensos debates. 
 
“O nosso Plano de Carreira não foi elaborado só para a Educação. O Plano aprovado no ano passado é para o servidor público municipal, e dentro dele tem um capitulo específico da Educação, como tem da Saúde, Obras e demais categorias”, explicou a professora.
 
Pozzebon assegurou que há professores que estão com até seis referências e progressões atrasadas. E isso se reflete no contracheque no final do mês que poderia vir, caso tivessem sido feitas as atualizações de referências e progressões, com um valor mais alto. “A não atualização é prejudicial ao servidor. Eu mesma estou com duas referências atrasadas. Nem isso está sendo feito e o servidor está sendo lesado.”
 
A educadora abordou também a posição do Secretário Municipal de Educação Professor Flávio de Jesus. “Ele é servidor de carreira do Estado. Ele recebeu o reajuste, não de 14,95%, mas de 15%, pois o Estado não apenas pagou o reajuste determinado pelo Governo Federal, como arredondou para 15%, pagou em maio, inclusive o retroativo. Então, o professor Flávio, que está com o bolso cheio do seu salário reajustado, está brigando para que nós não tenhamos o mesmo direito que ele usufruiu”, apontou.
 
A professora também fez apontamento sobre o prefeito Flori Cordeiro que é servidor público federal. “Dentro da carreira dele tem um plano que é cumprido a rigor. E se qualquer um for mexer em uma vírgula no plano de carreira dele, eu garanto que ele vai lutar com unhas e dentes pra defender. E agora ele vem passar por cima do nosso Plano de Carreira?”, questiona.
 
Sobre a greve, a professora assegurou que em mais de 20 anos em Vilhena durante os quais participou de três movimentos grevistas, incluindo o que terminou esta semana, este foi o mais forte, organizado e que contou com o maior apoio da população. 
 
“Nós recebemos ao longo dessa greve, mais de 500 vídeos de pais em apoio a nossa causa e pedindo ao prefeito que cumprisse o reajuste. Eles não foram ouvidos também. Nem isso sensibilizou o prefeito. É sinal de que o prefeito não se importa nem conosco, nem com os pais dos alunos, nem com os alunos”, declarou.
 
Pozzebon contou sobre um diálogo que teve com uma colega logo após a decisão pelo fim da greve. “A greve acabou, e vamos voltar para a sala sem o tão sonhado reajuste. Uma colega perguntou: o que vou dizer para os meus alunos quando me perguntarem – professora a senhora trabalha tanto para que a gente brigue pelos nossos direitos, vocês foram, brigaram e não conseguiram – e eu vou lhes dizer que continuem acreditando naquilo que eu lhes ensinei, que ser honesto vale a pena, que lutar pelos nossos direitos vale a pena, que respeito vale a pena; e que você vai, ao longo da vida, encontrar pessoas como o nosso prefeito, e nem por isso você vai mudar a sua opinião, nem o seu jeito de agir. Porque vale sempre a pena lutar pelos nossos direitos. A nossa luta não terminou. Nós estamos voltando para as salas de aula por for força da liminar porque, diferente do prefeito, nós respeitamos as leis”, declarou.
 
Ainda sobre a greve, a professora afirmou que paralisação serviu para derrubar a “máscara” do prefeito. “Ele vinha dizendo que não tinha dinheiro, que não tinha dinheiro... Mas, esta semana, declarou em entrevistas que tem dinheiro, mas que não vai usar para o reajuste. Então, nossa greve conseguiu provar que ele é mentiroso. Que ele mentiu o tempo todo, para a população, inclusive. Porque pra todo mundo dizia que não tinha dinheiro, que os professores iriam falir os cofres públicos. Ele mentiu”, declarou. 
 
Finalizando o tema greve, a professora declarou concordar com o prefeito quando ele disse que não havia a necessidade de greve. “Eu concordo plenamente com ele. Não havia a necessidade da greve. Se ele tivesse sentado conosco, ao invés de dar o golpe do pagamento de julho, e dialogado, feito uma proposta, era isso que nós esperávamos dele. E não houve essa consideração da parte dele. Eu vejo a greve como uma última instância, e tivemos que recorrer a ela. Não porque concordamos com ela, mas porque não vimos outra opção, outra alternativa.”
 
A educadora declarou ainda que o Flori Cordeiro não sabe diferenciar o que é autoridade do que é autoritário. “Ele é autoridade, não precisa ser autoritário. E ele está sendo extremamente autoritário e arbitrário, quando ele desrespeita todas as leis e todos os poderes. Ele não ouve vereadores, ele não pede opinião, nada”, apontou.
 
Sobre o abaixo-assinado protocolado pela categoria junto a Câmara Municipal de Vilhena, no qual pedem a abertura de uma CPI para investigar aplicação dos recursos da educação no município, a educadora assegura que a intenção não é a de cassar o mandato do prefeito, mas buscar esclarecimentos sobre onde e como está sendo investido o dinheiro destinado á educação.  “Nós não queremos a cassação do prefeito, o que nós queremos é clareza, transparência.”
 
E por fim, a professora assegurou que os alunos não terão prejuízo no aprendizado. “Os nossos alunos não serão prejudicados, nós reporemos todas as aulas. Teremos aulas de reforço para aqueles que precisarem; porque nós respeitamos os nossos alunos.”
 
 
 




Fonte: Folha do Sul
Autor: Rogério Perucci

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